Entrevista: Luta Antimanicomial, um enfrentamento de todas(os)

22 05 2020 14 09 07O CRP09 realizou ao longo desta semana diversas ações de conscientização e enfrentamento a Luta Antimanicomial. Entre as ações desenvolvidas estão lives e produção de material informativo, publicação de conteúdo nas redes sociais e entrevistas com profissionais ligados à temática.

Entre as profissionais que são destaque nesta luta está a psicóloga Elaine Mesquita, que atualmente é psicóloga da Secretária Municipal de Goiânia. Elaine é especialista em Saúde Mental e mestranda em Psicologia e já desenvolveu diversas ações, junto ao poder público e a rede de saúde mental.

Durante entrevista ao CRP09 Elaine falou dos principais desafios, conquistas e traçou um histórico da luta Antimanicomial. Para a psicóloga há muito a ser feito, mas deve-se preservar o trabalho que já foi desenvolvido e que tem garantido avanços positivos nesta questão.

 

Acompanhe a entrevista:

  1. Na sua opinião, o que avançou na luta antimanicomial?

Resposta: A mudança de proposta no atendimento ao usuário, pois o modelo psicossocial forçou instituições manicomiais a repensarem suas práticas para atrair os pacientes/familiares. No atual cenário todo hospital psiquiátrico usa termos psicossociais, como Acolhimento # Triagem.... Atividades terapêuticas diversificadas onde outrora só existia apenas terapias medicamentosas. Apesar de o cuidado violento dentro destas instituições ainda persiste, ou seja, o modelo manicomial ainda é forte na segregação, no isolamento de acordo com o Relatório Nacional de Inspeção em Hospitais Psiquiátricos feitos no brasil em 2018. O cuidado em evitar castigos corporais e isolamento total. Isto porque a fiscalização se dá mais permanente. E, esta provocação veio com a nossa luta. Hoje temos até cartazes de comunidades terapêuticas que utilizam nossos conceitos (e sabemos que a maioria são manicomiais)

O avanço mais significativo veio quando conseguimos agenciar recursos necessários para sustentar as pessoas com suas diferenças nos seus contextos de vida de forma a lidar com os conflitos e dores produzidos no âmbito das relações cotidianas. Mitigar o sofrimento desta pessoa estigmatizada, rotulada como louca e perigosa foi fundamental.

E apesar de não conseguirmos avançar em relação a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) no que tange aos pontos de atenção propostos para todos os grandes municípios, pelo menos conseguimos que fosse votada e aprovada nas CIBs e pactuada nos municípios. Agora é necessário que continuemos a luta, através dos movimentos sociais para termos a implantação desta pactuação.

  1. Qual o ganho histórico já alcançado pela Reforma Psiquiátrica Brasileira?

R.: O ganho histórico foi a legislação que reconhece os Pontos de Atenção propostos pelo modelo psicossocial, e apesar de estarmos num momento de retrocesso, em que tentam derrubar esta legislação, através de portarias, a ideia já foi legitimada e por isto podem até cerceá-la, distorcer e prejudica-la com a diminuição de recursos para manutenção dos serviços,  boicotando através da retirada de benefícios e incluindo outros pontos de atenção que eram do modelo asilar, mas não conseguirão extinguir a experiência já realizada. Se pensarmos no que já conseguimos implantar, teremos muito o que celebrar:

Emergências psiquiátricas em Hospitais Gerais no lugar de hospitais públicos;

Leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais;

Ambulatórios de Saúde Mental;

Centros de Atenção Psicossocial , aqui já temos ads, II e III;

Oficinas de capacitação / produção e Iniciativas de geração de renda, aqui temos o GERART I e II;

Residências Terapêuticas;

Expansão da rede de serviços extra-hospitalares;

Programa de volta para casa;

Serviços Residenciais Terapêuticos;

Reestruturação da área hospitalar psiquiátrica;

Incorporação da Saúde Mental na Atenção Básica;

A proposta já foi semeada. Teremos retrocessos? Sim, mas teremos momentos que retomaremos do ponto onde tentam nos parar. 

  1. Hoje, quais são os principais pontos que ainda precisam avançar, relacionados à luta antimanicomial?

22 05 2020 14 12 16R.: Como já dito, precisamos fazer valer o que já foi aprovado nas CIBS -  Comissão Intergestores Bipartite (CIB), os Termos de Referência da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Neles está estruturada a partir dos componentes e pontos de atenção definidos através da Portaria nº 3088, a RAPS terá seu financiamento de forma tripartite, entre Municípios, Estado e União, conforme pactuação dos Planos de Ação Regional em CIB.na maioria dos Estados. Sabemos que novas portarias vieram, modificando ou acrescentando a 3088, mas através do Controle Social e de lutas dos movimentos, podemos garantir o que já está pactuado.

Acredito que nosso maior desafio será potencializar a Rede de saúde mental para infância e adolescência, viabilizar uma economia solidária e geração de renda em saúde mental e conseguir a consolidação da Política para Atenção integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, criando serviços hospitalares para atenção ao usuário de álcool e drogas. Lógico que um grande gargalho ainda é a formação e qualificação de Recursos Humanos. Outrora, quando iniciamos a implantação dos CAPS aqui em Goiânia, tínhamos recursos para supervisão contínua e promoção de cursos para esta qualificação. Hoje é quase inexistente.

  1. Como tem sido a participação dos psicólogas (os) no movimento da luta antimanicomial?

R.: A proposta do modelo psicossocial é a integralidade dos saberes na promoção de cuidados, daí a atuação do psicólogo é em equipe interdisciplinar (apesar de muitos serviços serem só multidisciplinar). Temos psicólogos envolvidos nesta luta, assim como outras categorias, e temos também psicólogos que ainda atuam dentro da perspectiva manicomial.

A participação poderia ir além do atendimento clínico, na proposta do modelo psicossocial a participação poderia incluir a sensibilização da sociedade para este modelo, auxílio na educação / informação e atenção especial aos retrocessos pelo processo político atual. Precisamos de mais psicólogos envolvidos na luta.

  1. O que ainda é preciso dizer à sociedade sobre o convívio com o sofrimento psíquico e a luta contra a internação compulsória?

R.: A maior dificuldade está nas famílias que não recebem apoio para lidar com o sofrimento psíquico de seu ente familiar. No desespero e na ignorância do lugar de cuidados, demandam internações para lidar com o que não conseguem entender. E é nesta dificuldade que teremos de atuar para que haja maior entendimento do cuidado em liberdade, ofertando maior apoio para que consigam conviver com os sintomas do usuário. Gosto muito da proposta do psicólogo Marcus Vinícius (falecido e que foi professor da UFBA), em que fez um programa de Rede de Apoio Comunitário, onde era fortalecido a comunidade do usuário com sofrimento psíquico, para darem suporte a família e juntos: usuário, familiar, comunidade e profissionais, conseguia-se uma linha de cuidados que dispensava internações. Precisamos avançar mais nesta perspectiva para diminuirmos as situações de internação.

  1. Qual o papel da família na luta antimanicomial?

 redimensionado 4R.: O papel principal da família é estar presente nestes cuidados. Implicá-la em todo o processo de atenção é fundamental para, além do cuidado com o usuário, a equipe dos serviços psicossociais ajudarem esta família, fortalecendo em suas fragilidades e construindo com ela a rede de apoio necessária.

Este processo de inclusão dos familiares ajudaria nas fragilidades relativas a desmotivação, mudança em saberes acumulados e reiterados pelas relações sociais. Daí teríamos possibilidades de ajudá-los na superação das dificuldades vividas no convívio com o usuário com transtorno mental.

  1. O que a luta antimanicomial representa na atualidade?

R.: Um grande ganho que tivemos com a luta antimanicomial foi a adoção do conceito de que as ações de saúde mental (incluídas as AD) são indissociáveis da atenção básica. Hoje ela representa a continuidade de todos os avanços já citados. Não podemos parar.

Muitos obstáculos ainda têm de ser vencidos, como: autoridades sanitárias e políticas ainda pouco sensibilizados em favor da saúde mental; pouca compreensão da eficácia dos serviços e intervenções por causa de dados, necessidades de pesquisas e publicações neste setor. Há muita resistência a mudança e um choque de interesses (em Goiânia há um forte movimento a favor dos hospitais psiquiátricos, pela enorme quantidade de interessados na área e envolvidos nas gestões públicas). A falta de recursos financeiros e humanos.

  1. Como essa concepção antimanicomial se reflete na ação dos profissionais de saúde?

R.: Percebemos nos profissionais de saúde uma capacidade maior de superar o paradigma da tutela do louco e da loucura, por terem uma formação técnica e teórica que abrange os pilares do Modelo Psicossocial. A atuação destes profissionais combate o estigma e possibilita ações de inclusão social pelo entendimento da necessidade de um tratamento integral, que agencie o entorno deste usuário para diminuir os estressores externos de seu sofrimento mental.

Confira o histórico de luta em Goiás:

Antonio Nery e sua atuação no estado de Goiás, através de suas vindas em seminários, colóquios e supervisões (2010 a 2019 = 06 encontros) e orientações onlines.

Prof. Antonio Nery Filho, médico, psiquiatra, fundador do Centro de Estudos e Terapia de Drogas, na Universidade Federal da Bahia (1985). Foi o idealizador do “Banco de Rua”, em 1989, que deu origem à sua tese de Doutorado em Sociologia e Ciências Sociais, “A vida na marginalidade ou a morte na instituição”, desenvolvida na Universidade Lyon 2 - França, 1993. Nesta tese, idealizou o primeiro Consultório de Rua, em 1995, na cidade de Salvador- Ba (1995-2006), retomado em 2010 com o apoio da SENAD/ MJ, em Salvador, Camaçari e Lauro de Freitas. ]

Sua vinda em Goiânia, em 2010, foi fundamental para a consolidação da criação do Consultório de Rua de Goiânia, do fortalecimento das estratégias de Redução de Danos nos CAPSads, e durante todos estes anos, acompanhou e supervisionou em vários momentos estes serviços. Mais relevante ainda foi sua contribuição na sensibilização e informação da sociedade da  perspectiva Olivensteiniana de lidar com o tôxicomono numa lógica antimanicomial, numa uma proposta articulada de cuidado humanizado, integral e territorial, colaborando  para os avanços dos Pontos de Atenção da RAPS que lidam com usuários de drogas.

CRP 09 reforça resgate aos diretos das pessoas em sofrimento mental

WhatsApp Image 2020 05 21 at 11.58.55Segundo a presidente da Comissão de Saúde e Membro da COF e Direito Humanos, Ana Lourdes de Castro Schiavinato, o CRP 09 vem dar visibilidade a Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica brasileira através dos movimentos realizados pelo X Plenário que consideramos produção de ações que resgatam os direitos das pessoas em sofrimento mental e/ou usuários de drogas.

“Não é apenas retornando o olhar para esta rica produção com a presença de palestrantes renomados, mas para firmar o compromisso ético com a luta Antimanicomial, mas especificamente com a dignidade e o respeito a pessoa humana. Agradecemos a todos os atores envolvidos pois buscamos ultrapassar a institucionalidade valorizando sempre a complexidade das ações coletivas que envolvem a nossa luta”, finalizou.

 

 

OBS.: As fotos publicadas nesta matéria foram registradas antes da pandemia do Coronavírus. 

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