O Conselho Regional de Psicologia de Goiás (CRP09) entrevistou a psicóloga clínica e hospitalar Patricia Marinho Gramacho, que atuou por cerca de 30 anos na ala de pediatria do Hospital de Câncer Araújo Jorge, em Goiânia, em cuidados com pacientes com câncer infantil. Ela contou um pouco sobre a experiência de trabalho, sua vivência no acompanhamento de crianças, adolescentes e familiares que enfrentam o câncer e também comentou sobre a importância do Dia 15 de fevereiro, Dia Internacional de Combate ao Câncer Infantil. Confira a entrevista completa abaixo!
Fale um pouco de sua experiência como psicóloga na área da saúde em cuidados com pacientes com câncer, em especial câncer infantil, sua formação profissional e sua experiência nessa área.
Trago para vocês minha experiência de quase 30 anos de vivência e aprendizado junto à pediatria do Hospital do Câncer Araújo Jorge em Goiânia, onde eu desenvolvi meu mestrado sobre a construção de narrativas com crianças hospitalizadas e posteriormente de transformei meu luto de saída deste serviço na escrita de um livro sobre experiências em Psico-oncologia pediátrica. Um trabalho árduo mas que me ensinou muito e onde o cuidar se cumpre realmente como necessário desde o início do tratamento, pois o adoecimento de crianças e adolescentes ou o confronto de uma criança com uma tragédia corporal como muitas das vezes implica um câncer, ressalta a importância de fornecermos o mais rapidamente à criança, ao adolescente e à família ferramentas de cuidado efetivo no dia a dia, para que o sentimento de impotência não se faça tão presente. E que acabe se transformando em uma negativa constante das potencialidades de cada um – criança, adolescente, familiar acompanhante e é claro, reverberando na própria equipe. O protagonismo da criança com relação ao seu próprio tratamento é fundamental para auxiliá-la na compreensão e posterior colaboração com todo o processo. Ainda continuo fazendo atendimentos em oncologia na minha clínica particular quando crianças e adolescentes chegam até mim, porém o trabalho institucional diário era bem mais intenso.
Como você avalia a qualidade de vida dos seus pacientes com câncer, considerando os aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais? E como você lida com as demandas éticas e legais envolvidas no atendimento psicológico destes pacientes, como sigilo profissional, o consentimento informado, a autonomia e a beneficência?
É importante primeiramente pensarmos que, pelo fato da criança ainda estar em construção do sentir da sua corporalidade, de alguma forma é a partir do cruzamento das palavras dos cuidadores que ela se sente tomada em uma troca emocional. Falas do tipo: “Você se sente mal?”, “Está com fome?”, por exemplo, ajudam esta criança a integrar sua massa corpórea. Este reconhecimento contínuo do próprio corpo, pelos pais durante o período de tratamento ajuda a criança a integrar o bombardeio emocional e físico que caracteriza um tratamento oncológico. Por que falo disto? Porque quanto mais a criança conseguir narrar o que acontece com ela, mais ela amplia a sua qualidade de vida e nomeia as dificuldades, impedindo a construção de traumas justamente por aquilo que não lhe foi dito. Existe, portanto, a demanda da instituição – obedeça ao tratamento, a demanda dos pais: não morra. E fica para nós a pergunta: e a demanda da criança?
Muitas das vezes é o profissional de psicologia com o seu silêncio, com sua não demanda, que permite a criança aparecer e trazer suas construções sobre o que vive diante de um diagnóstico ou de uma má resposta ao tratamento. Agindo, porém, de forma ética, abrindo um espaço para a construção da criança, com a participação e apoio dos pais e com contínuas interconsultas com a equipe. E quem trabalha com criança vê que paulatinamente esta criança em tratamento vai aos poucos construindo uma maior autonomia sobre seu corpo e sobre suas decisões referentes a todo o processo de tratamento, negociando com a enfermagem sobre o melhor lugar para o puncionamento de uma veia ou pintando no papel o “seu sangue subindo”, condição necessária para tomar quimioterapia. Passam a falar sobre finitude e destino do próprio corpo. E principalmente vivem o seu tratamento e não apenas ficam com a vida em suspenso esperando o final do tratamento acontecer. Algumas conseguem.
Cabe ao profissional psicólogo também funcionar como barreira para exposições desnecessárias na mídia, por exemplo, utilizando uma simples pergunta: Você quer falar? Não é falar porque os pais querem e se transformar numa comoção nacional, mas sim falar porque é interessante e talvez surjam novas questões a partir do seu posicionamento. Hoje, a maioria das pesquisas com crianças exige o seu consentimento por escrito e a explicação ao seu alcance do que vai ser feito com suas palavras, seu corpo e suas colocações. Cabe a ética de cada adulto respeitar o que já é solicitado e permitir que a criança seja sujeita ao seu próprio discurso. Elas sempre têm algo a narrar.
Como você se mantém atualizada sobre os avanços científicos e tecnológicos relacionados ao câncer e suas implicações psicológicas e sociais? E qual é a importância do acompanhamento psicológico tanto para o paciente quanto para a família?
Já falei um pouco sobre a importância do acompanhamento a criança ou adolescente e a família, pois o tratamento atravessa a todos de forma muito intensa e é importante que os pais possam reafirmar sua capacidade de continuarem cuidando. Só eles podem trazer memórias necessárias de cuidado para o enfrentamento de momentos de solidão em uma sala de radioterapia, por exemplo. Eles podem dar vida a um objeto de transição, um boneco ou uma “tampinha” de brinquedo, mas que trazem significados importantes para a criança, auxiliando neste momento em que ela tem que ficar absolutamente só para receber a radiação. A psicóloga entra aí para lembrar que este cuidado sempre esteve lá em alguns casos. Em outros casos, a psicóloga ajuda os pais a criar esta ponte com a criança ou o adolescente. Ponte ainda não formada e que no momento de crise de um tratamento pode começar a ser construída. Chegamos a conclusão, portanto, que nosso grande trabalho é como deixar fluir conversas difíceis.
Participo como membro do comitê de Psico-oncologia pediátrica da SBPO e sempre tenho trocas enriquecedoras e sou muito questionadora sobre tudo, isto me ajuda a “futricar” em várias referências na área. Associar-se à SBPO e contactar-se com colegas da área também é importante.
Como você desenvolve uma relação terapêutica empática, respeitosa e solidária com os seus pacientes com câncer, considerando as suas singularidades, necessidades, expectativas e direitos?
Estas são ferramentas a serem aprendidas dentro do curso de psicologia, com a vida, com a própria formação continuada e com muita análise pessoal. Se isto não aconteceu, é melhor repensar a área de atuação.
Como você cuida da sua saúde mental e bem-estar, diante dos desafios e estresses que envolvem o trabalho com pessoas com câncer?
Sempre fui muito cuidadosa com minha formação continuada e tenho sempre meu espaço para minha análise pessoal. Ela é para mim a disparadora do cuidado pessoal. Preciso do cuidado do outro para continuar cuidando. Inclusive compreensão dos meus familiares para me permitirem me cuidar e estudar tanto.
Qual é a importância do Dia Internacional de Luta Contra o Câncer Infantil lembrado no dia 15 de fevereiro?
Falar sobre os sinais e sintomas e que se trata de uma temática que envolve a todos em um âmbito muito maior. Falar do câncer infantil não é lutar contra ele, mas sim, nos lembrarmos o quanto o câncer infantil é um dos mais atingidos pelas intempéries ambientais e falta de políticas públicas adequadas na pré e peri natalidade. O uso de agrotóxicos cada vez mais acelerado vem destruindo nossas crianças e como boa paliativista que sou, que também cuido do antes e não só do depois, aproveitar espaços de fala como este é muito importante. Tornar esta data, neste espaço, como uma possibilidade de posicionamento e de ampliação da visão. As crianças falam! Atualmente, o câncer é a segunda causa de morte em crianças e adolescentes no país! Fiquem atentos a alguns sinais de alerta: febre por mais de sete dias sem causa aparente; Dor óssea, com aumento progressivo e duração por mais de um mês; Petéquias, equimose (manchas arroxeadas na pele) e palidez; Leucocoria (reflexo branco na pupila do olho quando exposta à luz), estrabismo e protusão ocular; Distúrbios visuais; Linfonodos aumentados; Dor de cabeça persistente e progressiva, primariamente noturna, que acorda a criança ou aparece quando ela se levanta de manhã, acompanhada de vômito ou de sinais neurológicos.
Assessoria de Comunicação do CRP09