O Conselho Regional de Psicologia de Goiás (CRP09) entrevistou o psicólogo Óttoni Rodrigues, membro da Comissão Permanente de Direitos Humanos do CRP09, sobre a importância do Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais, lembrado no dia 29 de Janeiro. O profissional fala do processo de transição de gênero, das dificuldades e desafios enfrentados pela comunidade Trans. Confira abaixo:
Como você se identifica em relação ao seu gênero e como isso afeta sua vida pessoal, social e profissional?
Sou psicólogo trans, preto e colaborador da Comissão de Direitos Humanos do CRP09. Eu me identifico enquanto um homem transgênero, então eu sou uma pessoa trans. Nasci com sexo biológico feminino, porém não me identifico com ele. Isso afeta a minha vida pessoal, social e profissional de todas as formas, pois faz parte da minha existência, da minha identificação enquanto pessoa. E me identificar enquanto uma pessoa trans na nossa sociedade brasileira atual é algo delicado ainda.
Quais são as principais dificuldades ou desafios que você enfrenta por ser um homem trans?
Eu não digo necessariamente por mim apenas, mas digo por uma população que sofre por falta de acesso, falta de políticas públicas. Então, tem algumas mazelas que eu não sofro diretamente, mas sei que a população sofre. Faltam acessos à saúde e melhores condições. Enfrentamos dificuldades para trabalhar, para ter dignidade, para viver.
Você já buscou ou pretende buscar algum tipo de intervenção médica ou jurídica para adequar seu corpo ou seu nome ao seu gênero?
Sim. Já faz alguns anos que estou em processo de transição, então os meios que eu já procurei foram a alteração, a retificação de nome, o documento, o gênero. Então, já fiz todas as retificações necessárias de todos os meus documentos e estou em intervenção médica em transição.
Como você se sente em relação ao seu processo de transição e como você lida com as possíveis reações da sociedade, da família e dos amigos?
Hoje me sinto muito bem em relação ao meu processo de transição. É muito gratificante poder olhar pra trás, o processo. Me sinto muito feliz, muito realizado em vários aspectos. A transição provoca isso. Adequar-se àquilo que se reconhece, de fato, poder olhar o espelho e se reconhecer. Isso é se reconectar. Isso é se reconstruir. As reações foram diversas da sociedade, da família e amigos, algumas positivas, outras negativas, tanto da família quanto dos amigos. Tiveram aquelas pessoas que me apoiaram, outras que não me apoiaram. E ainda há aquelas pessoas que estão comigo desde o início. Então, a sociedade expressa um choque muito grande com todo esse processo.
O que você espera do profissional de psicologia possa te ajudar a alcançar seus objetivos e bem-estar?
A(o) psicóloga(o) é um profissional que pode sim ajudar não só a pessoa trans, mas principalmente uma pessoa que está passando pelo processo de transição, uma ajuda assertiva em vários pontos, vários momentos de desenvolvimento do ser humano. Considero sim que o psicólogo pode me ajudar a alcançar os objetivos, bem-estar, conseguir ter um olhar diferente em relação às perspectivas que a vida me trouxe, que a vida me traz. Ter um olhar também diferente sobre o que eu quero para o meu futuro.
Como você se relaciona com as pessoas que te conheciam antes da sua transição e como elas reagiram à sua mudança de gênero?
Ainda convivo com muitas pessoas do meu convívio anterior. A primeira reação de muitas foi de surpresa. Claro, bem diferente, assim, ao momento em que eu chego. Passo pelo processo de transição de forma bem reclusa. Eu me afasto de certa forma de muitas pessoas, até para viver o meu momento, o meu processo. Quando retorno, de certa forma, para muitas dessas pessoas, para muitos desses convívios, a reação, realmente, é de surpresa. Houve reações positivas, reações negativas. Então, tiveram reações adversas. E conhecer novas pessoas também foi muito interessante.
Você já sofreu ou presenciou alguma situação de discriminação, violência ou preconceito por ser um homem trans?
Já sofri preconceito, discriminação por ser uma pessoa trans. Já presenciei, infelizmente, situações e, como tal, a minha conduta em todas as situações tem sido de enfrentamento. Um enfrentamento em nível de letramento, porque a forma agressiva de enfrentamento nem sempre é o mais assertivo. Apesar de que o tempo todo sofremos violência, ele não é o mais assertivo, eu acredito que é com a educação, que é com a informação que a gente consegue esclarecer os pontos, as ideias.
Como você cuida da sua saúde física e mental e quais são os profissionais ou serviços que te apoiam nesse sentido?
Faço acompanhamento com endocrinologista. Ele me acompanha em períodos regulares, no qual eu faço exames regulares, identificado como que o meu organismo está reagindo à medicação. Faço a terapia hormonal e acompanhamento psicológico. Comecei a fazer terapia desde o período da graduação e não parei. A terapia é importante pra mim, mas tive pausas em alguns momentos. Mesmo assim, sempre retomo a terapia que considero crucial para o período de transição, é algo muito importante.
Qual é a importância do Dia 29 de Janeiro, Dia da Visibilidade de Travestis e Transexuais?
É um momento em que nos faz lembrar de toda a luta, tudo que passamos para chegar até aqui. Todas as evoluções, todas as vitórias, as derrotas no percurso do caminho, as dificuldades, as pessoas que passaram por essas histórias. Pessoas importantes, pessoas que sem a qual não estaríamos aqui hoje. Pessoas que fizeram parte do processo de transgeneridade desde o início. Pessoas que fizeram parte desse processo mesmo antes dele ter esse nome. Então, a visibilidade trans traz um olhar específico para que as pessoas compreendam um pouco mais. É um dia muito importante para as pessoas trans e travestis.
Assessoria de Comunicação do CRP09