O Conselho Regional de Psicologia de Goiás (CRP09) entrevistou a psicóloga Thatianna Alves Ferreira Resende, especialista em Psico-Oncologia que atua no atendimento psicológico em ambulatório e consultório, oferecendo acolhimento, apoio e suporte emocional a pacientes oncológicos e seus familiares. Ela falou da sua experiência profissional e de questões envolvendo o acompanhamento de pacientes que enfrentam o câncer e dos familiares que convivem com esse tratamento. Confira a reportagem na íntegra abaixo.
Como você avalia a qualidade de vida dos seus pacientes com câncer, considerando os aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais?
Em primeiro lugar é importante ouvir a história do paciente, pois o câncer tem um significado único e particular para cada pessoa. Se a pessoa já teve contato com a doença antes, como cuidador de paciente oncológico, por exemplo, isso já faz uma marca. É necessário compreender o que esse diagnóstico despertou naquela pessoa... e em que momento da vida isso está acontecendo. Tem mulheres que foram diagnosticadas em uma tentativa de engravidar... outras no pós parto... outros, o diagnóstico acontece num momento de uma separação... para alguns, num momento em que estão vivendo a tão sonhada aposentadoria, onde o planejamento era descansar e aproveitar a vida como não tinham feito antes. As realidades são diversas. E para cada realidade o significado da doença se apresenta de uma forma. Contudo... uma fala é comum, o diagnóstico é sentido, num primeiro momento, como uma sentença de morte, como se o chão se abrisse para algo imensamente assustador. Ouvir atentamente, ter uma escuta ativa da história do paciente, validar esses sentimentos e tentar dar um suporte emocional para essa pessoa assustada, com muitas dúvidas, para que ela consiga acreditar na própria capacidade de enfrentamento daquele momento, independente do que vai acontecer no final é fundamental.
É estar junto nessa caminhada. No ambulatório do Hemolabor, eu, Thatianna, faço o atendimento aos pacientes enquanto estão recebendo tratamento venoso, já no consultório os pacientes marcam um horário para termos um momento de fala daquilo que dói em cada um. Entender aquela história, estar sempre presente e demonstrar empatia é trabalho de toda a equipe de saúde. E eu realmente me interesso e me preocupo. Os pacientes com questões um pouco mais complexas, tento atender com um intervalo menor, pois, faz diferença, em alguns momentos de maior angústia, dar suporte para além do vínculo com a instituição (inclusive através do celular pessoal). Então, é ouvir sempre, estar sempre junto, tentando fazer parte daquela história, dando um espaço, um momento em que a pessoa possa falar livremente do que está pensando, do que está sentindo, sem julgamentos, sem restrições, tentando fazer o resgate da autoestima, que, dependendo da situação, muitas vezes está muito baixa. Tentando incentivar recursos para que o paciente possa fazer algumas modificações no dia a dia que, por vezes, ele nem acha que consegue fazer. Introduzir algumas atividades que ajudem a melhorar a qualidade de vida durante o tratamento também ajuda bastante. Nesse sentido, a atuação com a família faz toda a diferença. Oferecer suporte ao paciente juntamente com a família faz parte do nosso trabalho. Eu prefiro conversar em momentos separados com cada membro para que ele tenha a liberdade de falar aquilo que está sentindo e pensando de uma forma livre.
Como você lida com as demandas éticas e legais envolvidas no atendimento psicológico a pessoas com câncer, como o sigilo profissional, o consentimento informado, a autonomia e a beneficência?
O consentimento informado é um instrumento utilizado em situações específicas. Na clínica que eu trabalho, antes do paciente começar o tratamento ele passa por uma entrevista de enfermagem, onde a enfermeira orienta sobre o tratamento, o tipo de medicação e tem uma entrevista com o farmacêutico também. Infelizmente, a demanda de pacientes é maior do que a equipe consegue alcançar e nem sempre a Psicologia consegue estar presente. Mas o ideal seria que o paciente passasse pelo atendimento psicológico sempre que tivesse uma demanda para tal. Na parte da enfermagem e do farmacêutico, eles esclarecem a respeito dos possíveis efeitos colaterais da medicação que o paciente vai utilizar. E nesse primeiro momento é muito importante que algum familiar esteja presente, porque como estão todos muito ansiosos e preocupados, muitas vezes é difícil reter as informações, contudo, elas podem ser repetidas ao longo do caminho, mas que é importante no primeiro momento que todos sejam orientados. A assistente social, também, na medida do possível, faz uma busca ativa pelos pacientes. Ela passa diariamente no ambulatório e na internação para esclarecer aos pacientes a respeito dos seus direitos, do que ele pode ter acesso iniciando um tratamento oncológico. Temos uma realidade de pacientes que vêm do interior, que muitas vezes têm o lado financeiro comprometido e isso dificulta a questão de angariar os recursos necessários para que esse tratamento seja feito da melhor forma possível. A preocupação financeira pode ser um fator de angústia para o paciente.
No Hemolabor, é utilizado o Tasy, onde todos os profissionais fazem a evolução dos seus atendimentos com as informações necessárias para os colegas, respeitando o que a ética profissional preconiza. A comunicação da equipe é fundamental para tentar facilitar o suporte em geral, para que haja um amparo, um cuidado maior com esse paciente, visto que a situação do diagnóstico oncológico pode intensificar crises emocionais diversas. Na instituição em que eu trabalho, que é o Hemolabor, nós temos o serviço de Psicologia no ambulatório, no consultório e na internação. Eu sou a psicóloga que atende no ambulatório e no consultório e minha colega Thalita na internação. Nós temos os pacientes agendados, mas há os que chegam com alguma demanda urgente, é um número alto, sendo impossível fazer o suporte psicológico a todos os pacientes. Eu seleciono alguns pacientes, principalmente os que estão iniciando o tratamento ou os que foram encaminhados por outros profissionais, ofereço suporte emocional e conversamos sobre as repercussões que o diagnóstico está tendo na vida dele, para auxiliar no amparo da melhor forma possível. Caso seja detectada a necessidade de acompanhamento em consultório, faço essa sugestão.
Esse serviço é oferecido no Hemolabor de forma gratuita para que o suporte aconteça de várias formas. E quando o paciente está na internação, a psicóloga Thalita passa todos os dias, ela faz esse suporte maravilhosamente, passando diariamente para dar esse suporte tanto para a família como para o paciente. Uma vez por mês temos uma reunião de grupo de pacientes (Grupo Acolhimento) para oferecer também um suporte em grupo, para pacientes que não tem uma adesão aos atendimentos individuais, o grupo é uma outra forma de suporte emocional onde os pacientes dividem suas experiências e se fortalecem mutuamente.
Como você se mantém atualizada sobre os avanços científicos e tecnológicos relacionados ao câncer e suas implicações psicológicas e sociais?
A necessidade de atualização é constante. Nós sabemos o quanto os tratamentos vão mudando a cada ano e surgindo novas medicações que vêm dar novas oportunidades ao tratamento oncológico. É sempre importante estarmos envolvidos com a equipe e com as atualizações que acontecem na área de Psicologia Hospitalar e da Psico Oncologia. Além das aulas, estamos sempre conversando com os nossos colaboradores, colegas médicos/ enfermeiros/ nutricionistas/ farmacêuticos oncologistas que nos acrescentam informações preciosas. Essa parceria é fundamental no nosso trabalho, para que o cuidado chegue até o paciente com excelência. Eu estive agora no último congresso de Psico Oncologia e tivemos uma edição presencial depois de vários encontros on-line pela pandemia. Thalita participou do congresso de Cuidados Paliativos. Então, estamos sempre buscando o conhecimento em diversas áreas, não só da Psico Oncologia, mas de tudo que envolve o cuidado oncológico, até porque isso nos capacita para estarmos aptas a estabelecer os diagnósticos diferenciais.É preciso conhecer os efeitos secundários dos tratamentos para diferenciar e perceber se o paciente pode estar com algum quadro de transtorno de humor ou depressão, reativos ou não ao tratamento. É precioso o diálogo com os médicos especialistas e assistentes para ver a possibilidade do suporte medicamentoso.
Como você desenvolve uma relação terapêutica empática, respeitosa e solidária com os seus pacientes com câncer, considerando as suas singularidades, necessidades, expectativas e direitos?
Costumo dizer que trabalhar em Oncologia precisa ter perfil. É trabalhar com doação para além da remuneração. Você é contratado para uma função, mas a doação do profissional é de uma outra ordem. Muitas vezes as pessoas chegam com uma expectativa e ali depois de poucos dias, no máximo meses, elas já pedem pra sair por conta de não apresentar esse perfil. Lidamos com incertezas, com insegurança, com a questão da vida e da morte o tempo todo na Oncologia. Não existe neutralidade. As trocas acontecem a todo instante. É um ambiente de muito amor, então, quando algum paciente falece toda a equipe sofre.
Como você cuida da sua saúde mental e bem-estar, diante dos desafios e estresses que envolvem o trabalho com pessoas com câncer?
Realmente é um desafio. Lidar com a possibilidade de vida e morte mobiliza muitas emoções, para os profissionais também. Estar com a saúde mental em dia é um dos maiores desafios da humanidade atual. Mas é muito importante. Tento ter uma relação de harmonia com os colegas de trabalho, passo grande parte do meu tempo com eles. Cuido para ter um ambiente em que eu me sinta respeitada, assim como respeito os meus colegas também. As relações ali são de parceria, onde uns podem contar com os outros e cada um na sua especificidade. Além disso, gosto de ver filmes, de encontrar com os meus amigos e também faço o meu acompanhamento psicológico individual. Cuidar da saúde mental é um processo, é um desafio. Se existe algo que a Oncologia nos ensina muito é a importância de cuidar do nosso dia a dia, dos momentos simples do cotidiano, que são estruturais na vida, principalmente junto daqueles que amamos. Então, tentar estar bem com você mesmo e o que você tem na vida, é tentar ter uma relação de harmonia com quem está do seu lado. Estudar temas da minha área é algo que eu sinto muito prazer, eu acho que me enriquece muito. Também gosto de sair para comer. Faço atividade física diariamente, que me fortalece imensamente, pois trabalho o dia todo. Por isso, preciso estar bem com a minha saúde física e mental. A maior riqueza que nós temos são as pessoas que nós amamos e que nos amam. Então, eu procuro ter momentos com essas pessoas, são muito preciosos para mim. O prazer das refeições em que você consegue sentar e saborear o alimento são situações do cotidiano, mas que na Oncologia tem um significado especial. O prazer de conseguir ter a sua autonomia, sua funcionalidade preservada que muitas vezes é tão difícil para os pacientes quando há essa perda, então isso a gente aprende a valorizar.
Assessoria de Comunicação do CRP09