CRP-09 e Sistema Conselhos repudiam 30ª edição do Prêmio Vladimir Herzog

Publicado em 03/11/2008 às 08h22 | Atualizado em 03/11/2008 às 08h22

Prêmio Vladimir Herzog: moção de repúdio à premiação concedida ao jornal O Globo
 
MOÇÃO DE REPÚDIO

O Sistema Conselhos de Psicologia manifesta seu repúdio à premiação da 30ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria jornal, que concede menção honrosa à reportagem "Sem hospícios, morrem mais doentes mentais", do jornal "O Globo", de 9 de dezembro de 2007.

O Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos tem-se pautado historicamente em dar visibilidade e reconhecimento às expressões na área de comunicação que se propõem a denunciar e fazer conhecer as injustiças e violações de Direitos Humanos correntes no nosso país, trazendo à tona aspectos pouco retratados dos fatos e analisando-os criticamente sob a ótica da justiça social e da defesa irrestrita dos Direitos Humanos.

O Sistema Conselhos de Psicologia, em defesa das políticas públicas do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica brasileira, que vêm sendo construídas ao longo das últimas décadas no Brasil, manifesta-se publicamente contrário ao fato de referido prêmio ser atribuído a uma matéria que ignora as críticas e denúncias acumuladas por vinte anos de luta antimanicomial no país.

A matéria contraria os norteadores e experiências relativas ao novo modelo de atenção à saúde mental, orientado por uma ética que prima pela observância dos direitos humanos cunhada no rigor técnico e metodológico. Simplifica os dados, descontextualiza fatos, ignora distintas versões sobre o campo atual da saúde mental e descompromete-se com a gestão de ações que contribuam para a melhora da qualidade da assistência e da vida daqueles que necessitam de intervenções complexas devido ao sofrimento psicossocial. Reforça, dessa forma, uma visão parcial e articulada com setores conservadores da sociedade, que refutam as propostas e conquistas da luta antimanicomial.

Apreendemos que o hospital psiquiátrico é um dispositivo de segregação, o que configura o aviltamento dos direitos humanos. Instituição denunciada inúmeras vezes por ter como premissa o enriquecimento de empresários da miséria e do sofrimento humano, os hospitais psiquiátricos, dada a alienação absoluta da diferença, operam um manejo de silenciamento e exclusão da loucura, o que se mostra a serviço da manutenção da ordem social vigente. Mais que isso, as técnicas apresentadas como neutras e cientificamente corroboradas, como um meio de curar a doença e conseqüentemente proteger o tecido social, revelaram-se historicamente como mecanismos sutis, perversos e eficazes para a violação dos direitos humanos.

Consideramos que os contatos humanos, o fortalecimento de vínculos e as redes de apoio constituem-se enquanto dispositivos privilegiados no cuidado com a pessoa em intenso sofrimento psíquico, não o asilamento. Se a experiência da crise aponta para uma ruptura, ela também pode nos revelar a fonte do sofrimento da pessoa e a possibilidade de emersão das inúmeras outras possibilidades de superar obstáculos e constituir saídas. Para isso acontecer, torna-se necessário acolhê-lo, escutá-lo, considerá-lo em suas singularidades e idiossincrasias.

A Reforma Psiquiátrica não pretende extinguir a loucura, pois ela se constitui como algo que faz parte da condição humana; e, portanto, pode ser colocada em cena a qualquer momento e em relação a qualquer um. Afinal, o exercício do convívio com a pessoa que vive intenso sofrimento psíquico nos faz ver que seu cuidado requer acolhimento, escuta e circulação na tessitura social.

Portanto, se um jardim precisa de mais jardineiros e recursos para ficar ainda mais belo, não se pode, por causa disto, abrir mão da idéia de se ter um jardim. A matéria premiada desconsidera os avanços oriundos das políticas públicas em implementação no país, dando destaque somente aos opositores dessa proposta e manipulando os dados de modo a transparecer um quadro alarmante e sensacionalista. Aliás, a reportagem foi alvo, na época, de severas críticas e manifestações contrárias, dirigidas inclusive à redação de O Globo, por parte de várias entidades ligadas à Psicologia e aos Direitos Huma-nos. O referido jornal compromete-se nessa matéria com o interesse de destruir as conquistas no campo e paralisar as mudanças em curso.

Precisamos interrogar a serviço de quem a imprensa brasileira se coloca, ao negar-se, sistematicamente, a dar visibilidade à ampliação da rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos e às experiências exitosas que têm se implementado, fazendo efetivas diferenças nas vidas de diversos usuários, os quais puderam re-significar suas histórias, produzindo novos projetos, ampliando o exercício de suas cidadanias, movimento que faz com que o social tenha que se redirecionar frente às diferenças.

A mudança na direção da afirmação da diversidade constitui-se como passo fundamental para uma cultura em direitos humanos. Dessa forma, denunciamos o lamentável equívoco da comissão julgadora em conceder uma premiação a uma reportagem que se pauta pela tentativa de desarticulação de um movimento social com mais de 20 anos de atuação no Brasil, na defesa dos segmentos historicamente marginalizados e excluídos.


São Paulo, 27 de outubro de 2008.

Sistema Conselhos de Psicologia
 

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