O Conselho Federal de Psicologia lançou no último dia 28/06 a Nota Técnica sobre a Resolução CFP nº 01/1999 – que estabelece normas de atuação para psicólogas e psicólogos em relação à orientação sexual.
Ao revisitar a Resolução CFP nº 01/99, a nota técnica aborda questões sobre os direitos humanos, os direitos sexuais e os princípios fundamentais do código de ética profissional das(os) psicólogas(os); a contribuição da Psicologia na compreensão do sujeito LGBTI+; os avanços na despatologização das orientações não-heterossexuais; e as práticas da Psicologia em diversos campos, bem como a ilegitimidade das terapias de reorientação sexual. Dessa forma, o documento reafirma a importância da escuta, do acolhimento, da compreensão e do auxílio às pessoas com sofrimentos das mais diversas ordens.
Confira abaixo a integra da Nota Técnica:
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIANOTA TÉCNICA Nº 1/2021/GTEC/CG
PROCESSO Nº 576600003.000102/2021-17
Nota Técnica sobre a Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, que estabelece normas de atuação para as(os) psicólogas(os) em relação à questão da Orientação Sexual
DIREITOS HUMANOS, DIREITOS SEXUAIS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO (CEPP)ASSUNTO
É importante ressaltar que, de acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), faz-se necessário atuar profissionalmente a partir de análises críticas sobre o contexto sócio-histórico, político e cultural, sempre respeitando os pilares da ética e da garantia de direitos humanos. Isso leva à responsabilidade sobre a consideração crítica dos determinantes do sofrimento psíquico, de modo a suscitar, junto às pessoas atendidas, reflexões sobre o sofrimento psíquico a partir das contextualizações sociais, em compromisso com o direito inviolável à dignidade da pessoa humana.
A(O) psicóloga(o) deve ainda basear o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como atuar com o objetivo de promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades.
Conforme estabelece o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), a(o) psicóloga(o) contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, devendo prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.
O art. 2º desta normativa também veda à(ao) psicóloga(o) praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; bem como induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais.
A Resolução CFP nº 01/1999, assim como outras cartas e declarações do campo dos direitos humanos, buscou qualificar o trabalho profissional da(o) psicóloga(o), propiciando às pessoas não-heterossexuais um atendimento psicológico sem patologização, (re)vitimização ou preconceito.
Com a referida resolução pretendeu-se: (a) construir um espaço no qual o sujeito possa ser compreendido em sua integralidade, considerando-se os aspectos biopsicossociais e espirituais, tendo em vista os conceitos de saúde e de qualidade de vida da OMS; (b) assegurar um atendimento digno a todas as pessoas que utilizam os serviços de saúde e os demais contextos em que a Psicologia se faz presente; (c) prevenir a aplicação de teorias e modelos que compreendem as orientações sexuais não-heterossexuais como “desvio” ou doença; (d) minimizar o preconceito e a discriminação vivenciados pelas pessoas LGBTI+.
Conforme institui o art. 2° da referida Resolução:
“As psicólogas e os psicólogos deverão contribuir com seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas” [1].
Considerando o sofrimento e adoecimento frutos da LGBTI+fobia internalizada [2] e institucionalizada - política, social e culturalmente -, bem como as violências físicas e simbólicas vivenciadas, cabe à(a) psicóloga(o) contribuir para a eliminação do preconceito, exclusão, opressão e discriminação contra pessoas não-heterossexuais, tendo como ponto de partida as diversas possibilidades de orientação afetivo-sexuais.
Assim, a(o) psicóloga(o) deve acolher o sujeito em sofrimento psíquico, se distanciando de práticas que se configuram como produtoras e reprodutoras de conceitos e técnicas reducionistas, patologizantes, reificadoras, deterministas e universais acerca das orientações afetivo-sexuais.
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NA COMPREENSÃO DO SUJEITO LGBTI+
Nesta nota técnica pretende-se reafirmar o papel da Psicologia na defesa dos princípios que orientam os direitos humanos, direitos sexuais e o Código de Ética do Profissional do Psicólogo (CEPP), bem como sua atuação no combate à LGBTI+fobia.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha restituído a integralidade da Resolução CFP n.° 01/1999, que determina que não cabe a profissionais de Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de prática de reversão sexual, uma vez que a homossexualidade não é patologia, doença ou desvio, alguns segmentos da sociedade continuam a questionar as bases técnico-científicas que embasaram a edição da Resolução CFP n.° 01/1999, como pôde ser visto na Reclamação 31.818/DF.
Desse modo, apresenta-se nesta nota técnica uma contraposição aos argumentos de que as orientações não-heterossexuais devem ser tratadas como patologia ou desvio, posto que essa concepção representa um retrocesso, orientado por visões essencialistas, que se pautam em versões superadas da ciência médico-psicológica, e/ou em visões fundamentalistas presentes em algumas vertentes religiosas, baseadas em concepções conservadoras e deterministas das relações político-socioculturais. São posturas calcadas numa lógica de naturalização e imposição da cis-heterossexualidade como padrão e norma a ser seguida, que tem como efeito a redução do exercício da cidadania e da garantia de direitos de pessoas que vivenciam diversidades de identidades sexuais e de expressões de gênero.
Pretende-se orientar a categoria no exercício profissional junto à população LGBTI+. O Conselho Federal de Psicologia reafirma, assim, o compromisso na defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ e no combate ao preconceito e discriminação que colocam o Brasil como um dos países com as mais altas taxas de homicídios e violências direcionadas à população não cis-heteronormativa.
A LGBTI+fobia é um processo de estigmatização que incorre em violação de direitos sexuais enquanto direitos humanos, como efeito de representações de inferiorização, patologização e mesmo de desumanização que recaem sobre sujeitos que estão em não conformidade com os estereótipos da cis-heteronormatividade. Entende-se que o preconceito, a discriminação e a exclusão social são dispositivos que promovem a manutenção do sofrimento e adoecimento dos sujeitos. Desta forma, não é a condição existencial de ser LGBTI+ que gera o sofrimento, mas sim, as vivências de exclusão e marginalização causadas pela discriminação e preconceito.
As violências LGBTI+fóbicas no Brasil se manifestam nos diversos espaços sociais - político e institucional - por meio de violências psicológicas, sexuais, patrimoniais, físicas, digitais [3] e morais, nos âmbitos religiosos, familiares, escolares e do mercado de trabalho. Tais violências levam ao aniquilamento dessas subjetividades [4], com consequente perda de vínculos nos espaços religiosos, rejeição social e familiar, evasão escolar e dificuldade de acesso e permanência no mercado de trabalho.
Inúmeras mobilizações sociais atuam há anos na tentativa de desconstruir a lógica patologizante das vivências sexuais e de gênero e vêm sendo acolhidas por diversas áreas, dentre elas, a Psicologia. A Psicologia, em todos os seus campos de atuação, tem papel fundamental na redução dessas violências por meio de uma prática comprometida com a garantia de direitos à população LGBTI+ e com os princípios éticos da profissão.
AVANÇOS NA DESPATOLOGIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES NÃO-HETEROSSEXUAIS
No século XX, com o desenvolvimento dos manuais de classificação nosológica (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID – e Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM), a homossexualidade foi incluída na lista de patologias. Elevada à condição de “doença”, a homossexualidade foi classificada como um “transtorno mental”, fato este que direcionou práticas clínicas por décadas. É válido ressaltar que tais discursos foram e têm sido refutados ao longo da história, principalmente a partir da década de 1970, como resposta às reivindicações dos Movimentos Feministas e dos Movimentos de Libertação Sexual.
Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), revisando as categorias do CID-10 que tratam dos transtornos mentais e comportamentais, incluindo novas diretrizes para categorização, definição e diagnóstico sobre a sexualidade e condições relacionadas à saúde sexual [5].
Levando em conta o consenso vigente na comunidade científica nacional e internacional, além dos princípios básicos da Constituição Federal e os compromissos mais elementares em favor dos direitos humanos, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), em 1999, estabeleceu normas para a atuação das(os) profissionais de Psicologia no que se refere à questão da orientação afetivo-sexual, proibindo práticas que propõem (re)orientação das sexualidades, de forma a atuar ativamente frente a preconceitos e discriminações de vivências não-heterossexuais.
Uma das retóricas utilizadas para atacar a Resolução CFP n° 01/1999 foi o uso da categoria psiquiátrica “homossexualidade egodistônica”, que alude aos sujeitos que não se sentem confortáveis com sua orientação sexual homossexual. Alguns grupos contrários à resolução sugerem que profissionais da Psicologia deveriam oferecer tratamentos que supostamente possibilitariam a mudança da orientação afetivo-sexual desses sujeitos.
Não se trata de negar o sofrimento decorrente da LGBTI+fobia vivenciado pelas pessoas não-heterossexuais, mas sim, de problematizar a necessidade de patologizar a condição que origina os sofrimentos psíquicos, desconsiderando os fatores socioculturais e políticos que os desencadeiam, bem como as vulnerabilidades associadas à vivência das experiências de sexualidade e gênero que fogem da norma heterossexual. Ou seja, trata-se de propor uma abordagem crítica que considere o modo como a cis-heteronormatividade produz sofrimento para aqueles que vivenciam estas experiências, nomeadas egodistônicas no campo patológico.
De acordo com os autores que defenderam a retirada da egodistonia por orientação sexual do CID-11:
“A evidência mostra que os indivíduos lésbicas, gays e bissexuais muitas vezes relatam um nível de angústia maior do que os heterossexuais. No entanto, o sofrimento elevado tem sido fortemente ligado a experiências maiores de rejeição social e discriminação” (Cochran et al, 2014).
Dessa maneira, propor práticas de cura ou reversão da orientação sexual de um sujeito é ser conivente com discursos que afirmam a homossexualidade como patologia e anormalidade, reproduzindo práticas antiéticas e para as quais não existem comprovação científica. Assim, as(os) profissionais da Psicologia devem compreender que é justamente o caráter imperativo de adequação à heteronorma que pode gerar a exclusão, o sofrimento e o adoecimento associados às demais orientações afetivo-sexuais.
AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA EM DIVERSOS CAMPOS E A ILEGITIMIDADE DAS TERAPIAS DE REORIENTAÇÃO SEXUAL
A(O) psicóloga(o), nos diversos campos em que atua, é recorrentemente convocada(o) a dar respostas sobre as questões da sexualidade e orientações afetivo-sexuais dissidentes da cis-heteronorma. Apesar dessas manifestações serem evidenciadas com maior frequência no contexto da clínica, a questão se faz presente nos demais espaços de atuação profissional, tais como nas diversas instituições e políticas públicas. Em um levantamento bibliográfico, é possível notar uma maior variedade e quantidade de produções científicas voltadas à prática clínica, no entanto, ainda que a maior quantidade de produções científicas esteja voltada para esta área, as recomendações apresentadas nesta Nota Técnica devem ser aplicadas em todos os espaços em que se insere a(o) psicóloga(o).
Existe uma variedade de definições para o termo orientação afetivo-sexual. Para Jaqueline Gomes de Jesus (2012), trata-se de uma “atração afetivo-sexual por alguém; vivência interna relativa à sexualidade, diferente do senso pessoal de pertencer a algum gênero”. A Associação Americana de Psicologia (APA, 2008) define orientação afetivo-sexual como “um padrão persistente de atração emocional, romântica e/ou sexual por homens, mulheres ou ambos, podendo variar num continuum”.
A Psicologia tem sido equivocadamente identificada como a profissão que pode “curar” pessoas que, em função de sua orientação afetivo-sexual não-heteronormativa, solicitem terapias de reversão. Sobre isso, cabe reafirmar que o sofrimento de pessoas que não se encaixam na cis-heteronorma não decorre da sua orientação afetivo-sexual, mas das condições sociais, históricas, políticas e culturais que atribuem sentido pejorativo às suas expressões e vivências, prejudicando, assim, a sua qualidade da vida.
Nesse contexto, grupos contrários à Resolução CFP n° 01/1999 propõem como “suposta alternativa terapêutica” as terapias de reversão ou reorientação sexual. No entanto, as pesquisas realizadas têm falhado consistentemente em fornecer qualquer base empírica ou científica para considerar a homossexualidade como uma doença ou anormalidade (APA, 2009).
O posicionamento do Conselho Federal de Psicologia em relação às terapias de reversão ancora-se em um extenso relatório que revisou mais de 80 estudos (entre 1960 e 2007) dos assim chamados Sex Orientation Change Efforts (SOCE) – em português: Esforços Para Mudança de Orientação Sexual. Destacam-se, entre as conclusões do relatório[6]:
(1) É improvável que indivíduos possam ter seu desejo pelo mesmo sexo diminuído ou o desejo pelo sexo oposto aumentado por meio de SOCE;
(2) As tentativas de SOCE nos estudos mais antigos demonstraram que alguns indivíduos sofreram malefícios quando submetidos a tais procedimentos, como: perda do desejo sexual, depressão, ansiedade e suicídio;
(3) Recomenda-se a chamada Psicoterapia Afirmativa, que inclui: (a) aceitação; (b) evitar a criação de estigmas voltados ao comportamento sexual da pessoa atendida e (c) buscar o aumento de sua compreensão sobre seus sentimentos e valores, com consequente integração de sua orientação sexual aos outros aspectos de sua vida.
Sobre a temática, a Associação Americana de Psicologia (APA) aprovou, em maio de 2000, posição oficial sobre as chamadas “terapias” reparadoras ou de “conversão”. O documento intitulado “Terapias Focadas em Tentativas de Mudar a Orientação Sexual – Terapias Reparativas ou de Conversão” (Therapies Focused on Attempts to Change Sexual Orientation - Reparative or Conversion Therapies) conclui:
(1) Desde 1973, a APA sustenta sua posição de que a homossexualidade por si só não é um distúrbio mental diagnosticável. Esforços no sentido de promover a cura da orientação sexual são promulgados por falácias de grupos políticos e religiosos, não por estudos psiquiátricos ou por rigorosas pesquisas científicas.
(2) Como princípio geral, um(a) terapeuta não deve determinar o objetivo do tratamento nem coercitivamente, nem por meio de influência sutil.[7] Modalidades psicoterapêuticas de “converter” ou “reparar” a homossexualidade estão baseadas em teorias que, até as últimas quatro décadas, não apresentaram qualquer pesquisa científica rigorosa que oferecesse substância às alegadas “curas”. Até que tais pesquisas estejam disponíveis, a APA determina que as(os) profissionais éticas(os) devam abster-se das tentativas de alterar a orientação sexual dos indivíduos.
(3) A literatura das terapias "reparativas" emprega teorias que tornam difícil a formulação científica de critérios de seleção para esta modalidade de tratamento. Esta literatura não apenas ignora o impacto do estigma social na motivação para a extinção da homossexualidade, como ela própria estigmatiza a homossexualidade. A literatura das terapias “reparativas” também tende a exagerar seus resultados positivos ao mesmo tempo em que negligencia qualquer risco potencial aos pacientes (APA, 2000).
Além disso, não há estudos, de suficiente rigor, para concluir que os esforços de mudança de orientação afetivo-sexual têm sido eficazes. Ao contrário, a maior pesquisa já feita sobre esta questão, conduzida pela APA, revela que os dados sobre as tentativas de mudança de orientação afetivo-sexual na prática clínica indicam muitos relatos de indivíduos que após passarem por terapias de reorientação sexual apresentaram depressão, confusão mental, disfunções sexuais, uso nocivo de álcool e outras drogas, automutilação[8], ansiedade, abulia, pensamentos suicidas, dentre outros quadros patológicos (APA, 2009, p.41-42).
Cabe destacar que as práticas de reversão no âmbito médico e psicológico incluíam tratamentos medicamentosos intensos para o impedimento do desejo sexual (castração química), eletrochoques e a exposição repetida de imagens para pretensamente gerar aversão a determinados corpos e desejos. Reiteramos que essas práticas de tortura, que podem gerar traumas severos, são humilhantes, degradantes e violadoras do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), assim como dos direitos sexuais como aspecto indissociável dos direitos humanos.
O Conselho Federal de Psicologia entende que a principal causa do sofrimento e adoecimento relacionados às sexualidades dissidentes da cis-heteronorma resulta da condenação social. Assim, cabe à(ao) psicóloga(o) escutar, acolher, compreender e auxiliar sujeitos com sofrimentos das mais diversas ordens que buscam estabelecer uma relação em sintonia consigo mesmos, qualquer que seja a sua orientação afetivo-sexual.
A(o) psicóloga(o) deverá reconhecer o sofrimento vivido também por quem solicitou o serviço, considerando o contexto sociocultural e político em que a pessoa atendida está inserida, seus valores e crenças, sua rede de relações familiares, comunitárias, institucionais (escolares e laborais) e sociais, de forma a compreender o sujeito em sua singularidade e diversidade de expressões, bem como os impactos nas relações de proteção e de cuidado entre seus membros (CRP/SP, 2016).
Não faz parte do papel da(o) psicóloga(o) (re)direcionar o desejo sexual da pessoa atendida e, com isso, “mudar” sua orientação afetivo-sexual. A(O) psicóloga(o) é responsável por acompanhar pessoas em seus processos de produção e ressignificação do sentido sobre si, sobre os outros e sobre a vida.
Não cabe à(ao) psicóloga(o) "exercer qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotar ações coercitivas tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados" (art. 3º, Resolução CFP n.º 1/99). Nesse sentido, a criação de “grupos de apoio” para os que querem “modificar” sua orientação afetivo-sexual pode ser considerada falta ética, uma vez que tal prática contribui para disseminar o preconceito e, por conseguinte, aumentar o sofrimento psíquico.
Caso haja solicitação da pessoa atendida para que a(o) psicóloga(o) aplique a “Terapia de Reorientação Sexual”, deve a(o) profissional orientar a(o) solicitante acerca dos limites dessa prática. Deve ainda destacar a falta de resolutividade dessas Terapias, conforme apontado amplamente nos estudos científicos internacionais e nacionais sobre o tema.
Deverá, a(o) psicóloga(o), pautar sua prática profissional no respeito à diversidade de orientações afetivo-sexuais dos indivíduos, contribuindo com seus conhecimentos para uma reflexão sobre o preconceito e o enfrentamento das discriminações e estigmatizações em relação às orientações afetivo-sexuais não heteronormativas. Isso porque a questão da orientação afetivo-sexual, como expressão do Direito Humano e do Direito Sexual, distancia-se radicalmente de conceitos de cura e doença.
Problematizar a normatividade compulsória da vivência cis-heterossexual é papel da(o) psicóloga(o), que deve trabalhar suas próprias concepções de gênero e sexualidade. A Psicologia entende que a sexualidade humana pode se apresentar de diversas formas, devendo considerar os fatores sócio-históricos, culturais, sexuais e políticos que a atravessam.
A(o) psicóloga(o) deve avaliar, junto à pessoa atendida, a necessidade de incluir as famílias no processo terapêutico, trabalhando as questões relativas às orientações afetivo-sexuais dissidentes da cis-heteronorma. Conforme dispõe a “Nota de Orientação CRP SP nº 01/2016 – sobre o atendimento psicológico a pessoas em conflito com sua orientação sexual e identidade de gênero”, a(o) psicóloga(o) deverá:
“Avaliar a necessidade de intervenção junto à família, comunidade e espaços de pertencimento da pessoa atendida, visando garantir o direito à convivência familiar e comunitária. Nesse sentido, o serviço psicológico prestado deve ter por perspectiva a superação de relações cujos padrões são violentos e abusivos e a constituição e fortalecimento de vínculos protetivos e de cuidados” (CRP/SP, 2016).
Especificamente, cabe à(ao) psicóloga(o) que atende população LGBTI+ considerar que também faz parte desta população as pessoas com deficiências. A(O) psicóloga(o) deve trabalhar numa perspectiva do modelo biopsicossocial para diminuir e/ou extinguir as possíveis barreiras que emergem na sociedade e impactam o atendimento terapêutico, visando sempre a ética e o profissionalismo. Deve considerar a unicidade, pluralidade da pessoa com deficiência, em relação a sua interação com a sociedade, expressão da sexualidade e avaliar como se dão as interações no contexto familiar, onde os membros familiares também são impactados pelas ideias pré-concebidas socialmente, trabalhando a diversidade, estimulando reflexões e orientações no campo da sexualidade de forma respeitosa.
No atendimento a crianças e adolescentes, é fundamental que a(o) psicóloga(o) acolha e oriente também as famílias, desmistificando assim, preconceitos e estigmatizações no que se refere às sexualidades. Entendendo que os espaços educacionais[9] nos quais a criança e o adolescente estão inseridos são, normalmente, ambientes sociais onde mais se manifestam as violências LGBTI+fóbicas, cabe à(ao) psicóloga(o) intervir com o objetivo de acolher as diversidades e reduzir a incidência de violência psicológica, física, bullying LGBTI+fóbico, dentre outros.
Por fim, a(o) psicóloga(o) não poderá prestar serviços ou vincular o título de psicóloga(o) a serviços de atendimento psicológicos cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão (art. 2º, alínea "f", CEPP). Uma vez que não há comprovação técnico-científica da validade e eficácia dos métodos utilizados para (re)orientação sexual, as “Teorias de Reorientação Sexual (Sex Orientation Change Efforts - SOCE)” tornam-se eticamente impraticáveis na prática psicológica.
[1] Termo que se refere a práticas afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo / gênero.
[2] Consequência das vivências psicossociais que ocasionam modos de subjetivação nos quais o preconceito apresenta-se como sendo próprio da pessoa LGBTI+.
[3] O termo “violência digital” ou "cyberbullying" foi definido por Belsey (2004) como “o uso de informações e de tecnologias de informação, como e-mail, celular, aparelhos e programas de envio de mensagens instantâneas e sites pessoais, com o objetivo de difamar ou apoiar, de forma deliberada, comportamentos, seja de indivíduo ou de grupo, que firam, de alguma forma, a outros indivíduos”. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2015000100008
[4] Para informações sobre o tema, consultar o livro “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs'', organizado pelo Conselho Federal de Psicologia, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos. O livro apresenta um mosaico de histórias de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) que retratam os intensos sofrimentos ético-políticos e os processos de resistência decorrentes de diversas formas de violência, preconceitos, injustiças e exclusão. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacao/tentativas-de-aniquilamento-de-subjetividades-lgbtis/
[5] Segundo Diehl, Vieira & Mari (2014), a proposta desse grupo de trabalho consiste na “eliminação de todas as categorias do código F66 (transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e à sua orientação) existentes na CID-10, os quais incluem: F66.0 - transtorno da maturação sexual; F66.1 - orientação sexual orientação; e F66.2 - transtorno do relacionamento sexual. Isso porque essas categorias não apresentaram relevância ou utilidade clínica.
[6] Para maiores informações consultar o documento “Report of the APA Task Force on Appropriate Therapeutic Responses to Sexual Orientation'', publicado em 2009 pela American Psychological Association. Disponível em: https://www.apa.org/pi/lgbt/resources/therapeutic-response.pdf
[7] Conforme prevê os Princípios Fundamentais do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), o psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desse modo, não cabe ao terapeuta determinar o objetivo do tratamento nem mesmo quando há solicitação expressa do solicitante.
[8] O Sistema Conselhos de Psicologia defende o uso do termo "autolesão" para se referir às agressões provocadas no próprio corpo.
[9] Por espaços educacionais entendem-se àqueles destinados ao ensino formal e informal. As modalidades de ensino formal correspondem a educação infantil, ensino fundamental e médio, educação de jovens e adultos e ensino superior. Em relação as modalidades de ensino informal podemos citar: sócio educação, assistência social, grupos esportivos, culturais, artísticos, dentre outros.