O Conselho Regional de Psicologia 9ª Região Goiás-Tocantins (CRP-09) realizou
na quarta-feira, dia 18 de maio, uma série de atividades no Teatro InAcabado em
homenagem ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O evento, que tinha o slogan "De
Perto, Quem é Normal? - Saúde Mental, um Direito de Todos", foi prestigiado por
psicólogos, estudantes, representantes da área de saúde e interessados no tema.
As atividades foram iniciadas às 10 horas pelo presidente do CRP-09, Wadson Arantes
Gama, que ressaltou a importância de os profissionais da Psicologia terem uma visão
mais ampla de seus campos de atuação. Ele sublinhou que é importante dar novo
fôlego à luta antimanicomial. "Temos de abrir os olhos e não esquecer o nosso lugar
nessa luta".
A coordenadora da área de álcool e drogas da Secretaria Estadual de Saúde,
Fernanda Costa Nunes, participou da abertura representando o secretário Antonio
Faleiros. Segundo ela, a luta antimanicomial serve como referência na tentativa
de conscientizar as famílias da importância de se distanciar do foco das clínicas de
internação.
"Hoje muitas famílias querem internar os usuários, o que não é saudável. O
movimento feito pela luta antimanicomial vai nos dar força também na nossa luta",
acredita Fernanda. "O caminho nesse sentido já foi percorrido e tem dado certo.
O Estado também quer segui-lo à risca", completa. A psicóloga Karen Michel Esber
também esteve presente no início das atividades, representando o Hospital de
Urgências de Goiânia (Hugo).
Sociodrama
Na expectativa de levar os participantes do evento a uma reflexão mais aprofundada
sobre os manicômios, a presidente da Sociedade Goiana de Psicodrama em Goiânia,
Liliane Machado Orsoni, apresentou o sociodrama "De Perto, Quem é Normal?".
Liliane pediu aos participantes que imaginassem uma situação em que tivessem
de lidar com o drama de optar ou não por internar alguém próximo em clínica
psiquiátrica. O público foi dividido em dois grupos: o que defendia a internação como
recurso de tratamento e o que era contrário. "A ideia é nos colocarmos no lugar do
outro, saber como agiríamos se tivéssemos naquela situação. É uma realidade que
pode ser vivida por qualquer um de nós", explicou Liliane.
O estudante de Psicologia Rodolfo Gonzaga Pereira, que contribuiu para o sociodrama
interpretando um doente psíquico fictício chamado "João", elogiou a ideia. "Gostei
dessa interação, é mais dinâmica em comparação às palestras. Acho a discussão (do
evento) extramamente necessária para quebrar paradigmas", analisou.
A psicóloga Mirley Machado, que trabalha no Centro de Apoio Psicossocial (CAPs)
Reencontro, também destacou o resultado da reflexão. "Achei fantástico. Percebi que
existe uma linha tênue entre o normal e a loucura. Quando a gente se depara com a
loucura se sente realmente muito impotente." A psicóloga Lucélia Gonçalves, do CRP-
08 Paraná, disse que o evento é um convite para se pensar em políticas públicas para a
saúde mental.
A primeira parte do evento foi finalizada com uma apresentação do cantor Xexéu, que
tocou para o auditório músicas como Maluco Beleza / Raul Seixas, e A Balada do Louco/ Ney Matogrosso. O cantor lembrou que a luta antimanicomial é árdua e que, por
isso, é preciso haver maior divulgação. "Tenho certeza que é uma luta árdua, mas que
já está trazendo benefícios para a sociedade. A divulgação do tema é muito importante
para tirar essas pessoas da margem da sociedade", disse.
Abraço simbólico
O Dia Nacional de Luta Antimanicomial também foi marcado por um abraço simbólico
em solidariedade às pessoas com sofrimento mental, em frente ao Teatro InAcabado.
O ato teve a participação da banda Polícia Militar Mirim do 13º Batalhão, que abriga
crianças e adolescentes do Centro de Referencial de Assistência Social (CRAS) Bairro
Floresta. A banda marchou do Teatro InAcabado até a praça acompanhada dos
participantes do evento, chamando a atenção de condutores e pedestres para a luta.
Já na praça, todos se deram aos mãos em gesto de abraço.
Às 15 horas a psicóloga e psicanalista Patrícia Villas-Bôas Valero de Morais ministrou
a palestra "Luta Antimanicomail no Brasil e o Profissional de Psicologia". Patrícia,
que veio de São Paulo especialmente para o evento, é mestre em Psicologia Social
pela USP, coordenadora do curso "Reforma Psiquiátrica e as Novas Práticas em
Saúde Mental", supervisora de CAPs e militante do Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial.
Ela fez uma contextualização histórica e narrou como o conceito de loucura cedeu
espaço ao de doença mental nos últimos séculos. A psicóloga lembrou ainda como
foi o processo de "varredura" que retirou as pessoas com sofrimento mental das
ruas, seguida de uma ruptura, nos anos 50, com a dominância da psiquiatria sobre
o tema. A ruptura culminou no Brasil com a criação oficial do Movimento da Luta
Antimanicomial, em 1987.
Como resultado desses 24 anos de luta, Patrícia destacou como pontos positivos a
redução drástica de leitos manicomais no país, a criação de mais de 1,5 mil CAPs ―
que dão sustentação ao tratamento dos usuários fora dos hospitais ―, a participação
efetiva de familiares no processo, a redução de preconceito e a defesa dos direitos
de usuários. Como desafios ela ressaltou a retomada da potência do movimento e a
qualificação dos serviços prestados. Durante a fala, Patrícia fez questão de lembrar a
importância de se preservar a luta contra os manicômios. "É no cotidiano que a gente
tem de garantir que a reforma aconteça", disse.
Após o debate, foi realizada a mesa redonda "Psicologia, Psicopatologia e
Normalidade", com o psicólogo Flávio da Silva Borges, mestre em Psicologia e
professor Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), a psicóloga Ilma Goulart
de Souza Britto, que é professora de graduação e pós-graduação stricto e lato sensu, e
Ionara Vieira Moura Rabelo, psicóloga e doutoranda em Psicologia pela Unesp-Assis.
Durante a mesa redonda, Ionara falou da importância de olhar o indivíduo que precisa
de ajuda, e não a doença. "Na reforma psiquiátrica a gente questiona o modelo
segregador. A comunidade precisa aprender a viver com o diferente, não a encarcerá-
lo", disse. Ionara lembrou ainda que é preciso que a discussão seja mais ampla e atinja
a classe política. "Não existe reforma se não houver debate político", analisou.
Filme
O evento terminou à noite com a pré-estreia do filme As Cores da Utopia, do diretor e psicólogo Júlio de Oliveira Nascimento. O documentário, que tem 1h20 de duração,
trata da vida e obra de Reginaldo Bonfim, artista plástico baiano reconhecido nacional
e internacionalmente. Portador de esquizofrenia, o artista fez da pintura a sua razão
de viver.
O filme trouxe depoimentos de familiares, amigos, admiradores, críticos de arte,
filósofos e poetas, que demonstram o talento e a humanidade de Reginaldo Bonfim. "A
tese do filme é exatamente a necessidade de resgate da cidadania. O filme se dá
dentro da luta antimanicomial, fazendo uma crítica à psiquiatria ortodoxa e propondo
o tratamento correto das pessoas".
Wadson Gama Arantes abre evento no Teatro InAcabado
Plateia participa do sociodrama "De Perto, Quem é Normal?"
O estudante Rodolfo Gonzaga Pereira interpreta "João", ao lado de Liliane Machado Orsoni, no sociodrama "De Perto, Quem é Normal?"
Wadson Gama e integrantes da plateia participam do sociodrama
Psicólogos e estudantes participam do evento em homenagem do Dia Nacional da Luta Antimanicomial
Plateia e banda mirim saem do teatro em direção à praça
Abraço simbólico em solidariedade às pessoas com sofrimento mental
Diretor Júlio Nascimento debate com a plateia sobre filme