Veja a entrevista com a psicóloga Roseane Ramos sobre o dia da Consciência Negra

Publicado em 18/11/2011 às 10h58 | Atualizado em 18/11/2011 às 10h58

  

 O dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é uma data para se comemorar ou refletir? Para falar sobre o assunto, o CRP-09 convidou a psicóloga e professora Roseane Ramos Silva dos Santos, que é coordenadora do Fórum Permanente Educação e Diversidade Étnico-Racial de Goiás, integrante da Equipe Pedagógica do Centro de Referência Negra Lélia Gonzales e secretária da Igualdade Racial do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás.

Ela faz uma reflexão a Psicologia, a saúde mental da comunidade negra no Brasil e também sobre políticas públicas. Confira:

Como dever ser o posicionamento do psicólogo frente a uma situação de discriminação?

O posicionamento do (da) psicólogo (a), como de qualquer outro profissional deverá ser de intervenção. Neste sentido é importante saber psicossomáticas. É importante salientar a ausência da discussão do racismo e sua perversidade na vida do indivíduo e para a sociedade brasileira nos cursos de Psicologia. Na formação do (a) psicólogo (a), geralmente não há discussão de temas importantes e estruturantes na construção da sociedade brasileira e das relações interpessoais.

Como está a saúde mental da população negra em Goiás e no Brasil? Essa situação é melhor ou pior em comunidades rurais, a exemplo dos quilombolas?

O relatório “Saúde Brasil 2005: uma análise da situação de saúde” demonstrou o cenário da população negra referente à assistência à saúde. O Estado Brasileiro reconhece oficialmente a existência do racismo em nossa sociedade, a luta nas últimas décadas tem sido em implantar e implementar políticas públicas de ações afirmativas. Neste sentido, a Psicologia ainda tem uma grande contribuição a prestar para toda sociedade brasileira. Existem diversos aspectos da Psicologia e da atuação dos profissionais que precisam ser urgentemente ressignificados (sic), a exemplo a saúde mental da população negra que muito ainda tem que se avançar em levantamento de dados, pesquisas e mudanças em intervenções profissionais e institucionais. A ausência de dados estatísticos impede a proposição de políticas específicas. Considerando que a maior parcela da população brasileira que depende do atendimento público de saúde mental é negra, talvez consigamos identificar que nós profissionais não aprendemos que o racismo é um fator determinante para o adoecimento psíquico e não considerá-lo é com certeza prestar um atendimento homogêneo que não atende às especificidades e não intervém no ciclo de sofrimento gerado pela violência do racismo sofrido dioturnamente por brasileiros e brasileiras. Se considerarmos as populações das comunidades quilombolas, percebemos de maneira mais forte a ausência de políticas específicas voltadas para brasileiros negros e negras, pois em sua maioria a atenção básica de saúde é precária sem uma estrutura física mínima adequada e recursos humanos suficientes.

Em que o Estatuto da Igualdade Racial pode ajudar efetivamente para a sanar desigualdades históricas? Poder ser considerado um avanço?

O Estatuto da Igualdade Racial é um instrumento importante para a população brasileira. É uma conquista coletiva da sociedade brasileira organizada que tem há séculos vem indicando caminhos para a redução das desigualdades. Ele reafirma conquistas e agrega questões fundamentais para a garantia de direitos para os (as) cidadãos (as) negros (as) que sofrem diariamente preconceito racial. Mas para que esta conquista se efetive é necessário que todos os segmentos da sociedade brasileira conheçam e lancem mão quando necessário. A Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, traz no Titulo II ? Direitos Fundamentais, Capítulo I ? Do Direito à Saúde, Art. 8 § I ? a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à descriminação nas instituições e serviços do SUS.

A senhora acredita que a discriminação racial diminuiu ou aumentou nos últimos anos?

O racismo existe. Isso é fato. A análise se diminuiu ou não me parece falha, pois enquanto houver racismo no Brasil tem alguém sofrendo suas consequências e é não possível quantificar sofrimento. Considero sim que nos últimos anos tivemos conquistas e avanços na política da igualdade racial, mas temos que avançar muito mais.

A senhora acredita que a política de cotas efetiva o acesso da população negra à educação? Como está o acesso dessa população à educação?

A política de cotas é uma das políticas de ações afirmativas implementadas no sistema de ensino superior para garantir o acesso com equidade para todos os cidadãos e cidadãs. O acesso à educação no Brasil sempre desconsiderou a influência negativa do processo de colonização pelo qual nossa sociedade foi obrigada a passar. Nossos antepassados não tiveram oportunidades de acesso ao conhecimento formal na instituição escola e ainda hoje, se considerarmos que nós negros somos a maioria da população brasileira (mais de 50% de pretos e pardos, segundo o IBGE), a nossa presença na educação ainda não é representativa como deveria, se as oportunidades fossem iguais. Neste sentido, são extremamente necessárias ações que visem o acesso e a permanência de estudantes negros e negras no ensino superior. Pensemos por que será que temos poucos psicólogos e psicólogas negros? Por que as pesquisas desenvolvidas na sua maioria não discute a questão racial? Por que o conhecimento de matriz africana não influencia o conhecimento produzido no Brasil? Todas estas reflexões são importantes para compreendermos a força do racismo na sociedade brasileira.

Podemos dizer que há o que se comemorar no dia 20 de novembro? Ou ainda há mais o que se refletir?

O mês de novembro e em especial o 20 de novembro é um “mix” de comemoração e reflexão. Comemorar a contribuição de Zumbi na luta pela liberdade, resistência que herdamos e que muito nos orgulha. Mas também é tempo de reflexão, de refletirmos os avanços, o que ainda há para promover na conquista da equidade e de uma sociedade que garanta oportunidade a todos. Zumbi dos Palmares e Dandara nos inspira a cada dia a continuar na luta por um mundo mais humano e menos desigual. Valeu Zumbi! Viva Dandara!

Como Coordenadora do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Estado de Goiás, o que a senhora pode dizer que está sendo feito por este fórum no sentido de melhorar as desigualdades no Estado?

A minha atuação política tem sido mais na área da Educação. No Fórum, temos possibilitado discussões com os trabalhadores em Educação por meio de encontros, seminários e mesas temáticas que são promovidos em parcerias com entidades do movimento negro, organizações e instituições. O objetivo é subsidiar os educadores para a implementação da Lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelecendo a inclusão da disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares. Em 2008, houve a inclusão da História e Cultura Indígena. Este fórum tem por objetivo propor, acompanhar e subsidiar as redes de ensino do Estado na condução desta política. Incluir a nossa historia no dia?a?dia da escola significa valorizá-la e confirmar a contribuição fundamental de negros e negras que foram escravizados para a construção deste país. E Mandela já dizia: “A educação é a arma mais poderosa para mudar uma nação. Não nascemos racistas, aprendemos a ser racista e se aprendemos a odiar podemos aprender a amar, pois o amor chega mais fácil ao coração humano que seu oposto”.

Como podemos enfrentar as desigualdades raciais?

Acredito na força do Brasil para o enfrentamento às desigualdades raciais. É necessário ter vontade e posicionamento político para alcançar o que é possível. Penso que o Conselho Regional de Psicologia é um ambiente favorável para discussões de temáticas pouco exploradas e pouco discutidas. O viés mais violento do racismo é o silêncio. Não falar sobre o racismo é não considerá-lo na construção da subjetividade dos seres humanos. É neste sentido que a Psicologia não pode mais ficar ausente, sem construir possibilidades de intervenção positiva neste processo. Estar disposto a discutir o racismo é estar disposto a mexer nas estruturas da construção da sociedade brasileira, é mexer no que está cristalizado, mas é urgente e necessário. Então, continuemos caminhando.

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